Confissões detalham crueldade da chacina em Canasvieiras, na Capital

A chacina aconteceu em um apart-hotel em Canasvieiras, em 5 de julho.

Por Redação

Ao ver Magal se desvencilhar, Neto dá uma chave de braço e o enforca com toda a força. Mesmo com o pescoço amarrado, Magal demora para morrer. Ao lado do corpo no chão do quarto, entre a cama e a parede, Neto chora.

Este é um trecho da confissão narrada à polícia pelo homem apontado pela Delegacia de Homicídios de Florianópolis como o mentor e executor da chacina no apart-hotel em Canasvieiras, em 5 de julho. Cinco pessoas, sendo quatro da mesma família, foram asfixiadas cruelmente com cabos e cordas. Um dos crimes mais bárbaros da história recente da Capital.

Francisco José da Silva Neto, 22 anos, natural de Belém do Pará, comerciante e ex-funcionário de Leandro Gaspar Lemos, o Magal, 44, foi ouvido duas vezes. Ele admitiu as mortes na segunda ocasião, quando estava preso.

Na avaliação de investigadores, por mais de 40 minutos, deu detalhes, demonstrou frieza e, às vezes, sarcasmo. Alegou ter cometido a matança por medo de suposta ameaça de Magal contra ele e seus familiares. “Teria que fazer isso por conta própria”, decretou.

“Não ia deixar isso quieto após ter trabalhado um ano e oito meses com ele (Magal)”, expôs, insistindo que não aceitava ter sofrido calote financeiro trabalhista.

Convite aos amigos

Para o plano criminoso, declarou ter levado dois amigos: Michelangelo Alves Lopes, 21 anos, natural de Florianópolis, e Ivan Gregory Barbosa de Oliveira, 21, nascido no Pará.

Os dois também estão presos preventivamente, admitiram terem ido com Neto ao apart-hotel e rendido as vítimas, mas negaram as execuções.

Em seu primeiro depoimento, dado quatro dias após a chacina, Neto sustentou que estava no Estreito até 21h daquela quinta-feira. Contou que Magal tinha dívida com ele e tentou levantar suspeita sobre a faxineira da família Gaspar Lemos – a funcionária foi poupada pelos matadores e é a única sobrevivente.

Ao final, afirmou que soube das mortes em um telefonema de um amigo, quando asseverou sobre os Gaspar Lemos: “estava na hora”, “enganaram muita gente”, “uma hora ia acontecer isso”, “eles estavam só escondendo”, consta na apuração policial.

“Teria que matar todos”

A derradeira confissão saiu cerca de 40 dias mais tarde. No interrogatório, já como preso, Neto confirmou que após assassinar Magal teria que matar todos. Desceu para a lavanderia buscar Paulo Gaspar Lemos, 78 anos. “Não reagiu. Estava depressivo, creio que queria morrer”, disse Neto à polícia.

Na sequência, levou para outro andar Kátia Lemos, 50 anos, e Paulo Lemos Junior, 51, que tinha autismo, e “pensou que teria que sacrificar todos, agindo por impulso”. Então, estrangulou Junior e depois Katia, os matando também por asfixia. Nesse instante, pediu a Michelangelo que buscasse gasolina para jogar nos corpos e destruir digitais..

Por último, narrou que matou Ricardo Lora, 39 anos, o Alemão, amigo da família, porque este era “muito mandado pelo Magal”.

Os policiais registram no inquérito que, informalmente, ele revelou que estava muito nervoso e que tudo foi muito rápido, que ficou umas quatro horas passando pano em tudo depois de ter matado e colocado gasolina sobre as vítimas. E que ainda admitiu ter escrito nas paredes do apart-hotel: “Minha família foi justiçada, enrolaram muita gente, chegou a hora deles”, “pilantra”, “171” e “P.C.C”.

"Mais 15 minutos, mais 15 minutos"

Ivan Gregory contou que Neto o chamou para fazer uma “fita” há uns três meses, porém, não aconteceu. Ao admitir ter ido ao apart-hotel, descreveu que ficou vigiando as vítimas amarradas. “O Neto dizia a todo momento que já iriam embora, mais 15 minutos, mais 15 minutos”. Após as mortes, Ivan afirma que Neto comentou com ele: “o crime foi coisa de cinema”.

Aos policiais, Neto afirmou que costumava assistir séries como Narcos e Criminal Case e ali aprendeu a fazer os nós nas vítimas. A polícia traz no documento fotos delas com as amarras pela parte de trás do corpo, nos pés e no pescoço.

Ouvida por policiais, uma mulher contou que Neto estava estranho ultimamente, que admitiu ter feito algo errado, mas que não podia falar o que se tratava. No primeiro interrogatório, Michelangelo ficou em silêncio. Depois, no segundo, afirmou que o “o Neto foi reconhecido, entrou em conflito e resolveu matar todos”.

Os três entraram no apart-hotel por volta das 16h30min. Às 20h, conforme depôs Neto, todos estavam mortos. O trio deixou o local depois das 23h, conforme a polícia.

Supostos R$ 500 mil no apart-hotel

Dois dos presos afirmam que Neto os chamou para um assalto no apart-hotel onde haveria R$ 500 mil e ouro. Essa versão pouco se sustentou na investigação policial e o próprio mentor negou que tivesse dito a eles do dinheiro.

Antes de fugir, o trio levou dois celulares, duas caixas de uísque, um relógio, dois carros e oito aparelhos de televisão. Depoimentos de funcionários e conhecidos dos Gaspar Lemos, porém, divergem quanto a eventual existência de elevada quantia de dinheiro no apart-hotel.

Apesar da maior parte das testemunhas não acreditar que havia valores no local, uma delas relatou ter feito através de sua empresa uma operação bancária em que Magal e Paulo teriam recebido R$ 950 mil em dinheiro. A transação teria ocorrido em março deste ano. Transações bancárias da família via um banco argentino também são citadas em depoimentos de testemunhas.

Imagens mostram acusados

Imagens de câmeras coletadas pela polícia mostram os acusados na frente do apart-hotel. São de um prédio e mais três lugares nos arredores. Mostram o carro de Neto, um Punto, indo em direção ao hotel naquela tarde e manobrando perto.

Michelangelo e Neto aparecem nas filmagens. Numa delas, às 23h33min, em pé pedindo informação a um estabelecimento próximo. Segundo a Homicídios, foi um gesto para despistar uma viatura da Polícia Militar que fazia rondas.

Também foram decisivos na apuração policial as impressões digitais encontradas no local e num dos carros pelo Instituto Geral de Perícias (IGP) e o monitoramento das redes sociais.

Flagrado sem CNH no RS antes da descoberta

Michelangelo viajou após a chacina. Antes de ser preso em Santana do Livramento, na fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai, chegou a ser flagrado em uma blitz em Osório (RS), no dia 14 de julho.

Estava sem carteira de habilitação e com R$ 8,6 mil. Foi liberado, pois não havia nada ainda contra ele pela chacina. Rumou então para Livramento, onde foi preso no dia 10 de agosto com cerca de R$ 4 mil em pesos uruguaios e reais.

Componente da gasolina indica morte cruel

Neto teve a ideia de jogar gasolina nas vítimas para apagar eventuais impressões digitais, de acordo com os depoimentos. O combustível em abundância provocou queimaduras de segundo grau nos cinco mortos. Quem buscou o combustível foi Michelangelo. Em depoimento, Neto garantiu que ao derramar gasolina nas vítimas todas estavam mortas.

Laudos periciais do IGP, porém, indicaram a presença de naftaleno, um componente da gasolina no sangue das vítimas. A presença da substância aponta que os mortos poderiam estar vivos quando foram atingidos pelo combustível.

A causa da morte, como asfixia físico-química, reforça o entendimento do IGP que a utilização da gasolina auxiliou na morte das pessoas, o que aumenta a crueldade dos assassinatos e sofrimento das vítimas.

“Caso as vítimas ainda estivessem vivas quando a gasolina foi utilizada em seus corpos, os criminosos usaram de um meio extremamente cruel para alcançarem seu objetivo”, diz trecho do inquérito.

Barco foi estopim de desentendimento entre Magal e Neto

Um barco de pesca se mostrou o fato desencadeador da chacina. Adquirido por Magal em 2006, época em que a família ainda não estava tão quebrada financeiramente, era um dos poucos bens ainda não penhorados pela Justiça.

Com medo de perder também a embarcação, Magal, em maio de 2016, transferiu a propriedade do bem para Neto servir de laranja. Com o fim da relação trabalhista entre Magal e Neto, o não pagamento da dívida pelos Gaspar Lemos e o temor em o barco ser revendido, Neto transferiu a “propriedade” da embarcação para uma mulher, em fevereiro deste ano.

A partir daí, os ânimos entre Magal e Neto se acirraram. Magal soube da transferência e procurou se resguardar. Registrou em cartório, em abril, uma declaração de que ele comprara a embarcação do dono anterior.

Também originário da embarcação era a maior parte do dinheiro roubado no hotel. Um dia antes de morrer, Magal vendou a rede de pesca do barco por R$ 20 mil e recebeu, no ato, R$ 10 mil.

Após a chacina, a embarcação mudou de dono. Uma mulher a vendeu para o mesmo homem que comprou a rede de Magal, por R$ 40 mil.

Contrapontos:

O advogado Jackson José Schneider Seilonski, que representa o réu Francisco José da Silva Neto, afirma que para ele os depoimentos citados como confissão pela Polícia Civil “são extraoficiais” porque “eu não participei da oitiva dele”. Seilonski não confirma a alegada confissão e diz que Neto não “revelou nada do que a Homicídios falou” para ele. Segundo o advogado, a transcrição dos depoimentos não se compara a riqueza de detalhes dos depoimentos em audiovisual.

— Se eles foram lá roubar e do roubo surgiu a morte, não é homicídio, é latrocínio. Eles querem levar isso a júri popular, por isso em uma só ação fizeram três crimes. É óbvio que isso não é homicídio. É latrocínio. E vamos tentar provar isso no processo.

O advogado Marcos Aurélio de Melo, que representa Michelangelo Alves Lopes, afirma que seu cliente foi ao hotel “para roubar”. Diz que ele “não matou, nem amarrou” ninguém. Nega que Michelangelo tenha roubado dinheiro do local do crime. Alega que os valores encontrados com ele “foram presente de uma tia, mulher de posses”. Garante que Michelangelo deixou o hotel por volta de 21h e foi para casa, onde comprou uma pizza pouco depois, álibi inclusive “com prova documental”.

Para Melo, a denúncia do MP foi feita de forma açodada, pois se passasse mais um dia seu cliente poderia ser solto “facilmente” com um habeas corpus que o advogado impetraria. Sobre o aparelho com os registros de imagens do hotel, Melo diz que Michelangelo o jogou dentro do rio Papaquara.

Fábio Amabile Patrão, advogado de Ivan Gregory Barbosa de Oliveira, foi o último defensor constituído dos acusados. À reportagem, ele disse não estar totalmente inteirado dos autos. Revelou ter conversado apenas uma vez com Ivan, o Baiano, e ele negou participação nas mortes.

— Vou me manifestar após ler com calma e me inteirar dos detalhes do inquérito.

Fonte: Diogo Vargas

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