O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) apresentou denúncia contra quatro policiais militares lotados do 29º Batalhão, com sede em Içara. O órgão ministerial acusa os militares da prática dos crimes de lesão corporal, abuso de autoridade, tortura e falsidade ideológica durante o atendimento de uma ocorrência registrada em novembro de 2024, no estacionamento do Fort Atacadista, no bairro Presidente Vargas. O caso, à época dos fatos, foi noticiado nacionalmente.
De acordo com o MPSC, os militares — os sargentos Douglas Jerônimo Bitencourt e Juliano Alves Daniel, e os cabos Luís Felipe Voigt Gair e Maurício Siemann Costa — teriam usado força desproporcional durante a abordagem e praticado agressões físicas injustificadas, com o “uso de spray de pimenta, chutes, tapas e arma elétrica”. O promotor Renée Cardoso Braga, autor da denúncia, também acusa os policiais de inserirem informações falsas nos registros oficiais, tentando dar aparência de legalidade às ações.
O promotor pede a condenação criminal, a expulsão dos quatro agentes da corporação e o pagamento de indenizações de até R$ 10 mil por vítima, por danos morais e patrimoniais.
No entanto, os policiais negam veementemente as acusações e afirmam que o episódio foi mal interpretado e descontextualizado. Segundo a versão apresentada por eles, a guarnição foi acionada após um cliente “em visível estado de embriaguez e sob efeito de clonazepam” causar confusão dentro do mercado, ofendendo uma funcionária com xingamentos e apelidos como ‘Peppa Pig’. A equipe teria conduzido o homem para fora do estabelecimento “sem violência e de forma técnica”.
Os PMs afirmam que a confusão começou quando uma mulher, que não tinha qualquer relação com o abordado, se aproximou da viatura e desrespeitou repetidas ordens de afastamento, dizendo que permaneceria no local por ser advogada.
Ela não era representante legal de ninguém. Tentamos explicar e pedir que mantivesse distância, mas insistiu e começou a tumultuar, disse um dos policiais.
A versão dos policiais sustenta que o spray de pimenta foi usado apenas para dispersar o grupo que acompanhava a advogada, e que a ação ocorreu “em local aberto, com várias testemunhas e câmeras”, o que, segundo eles, “torna absurda qualquer ideia de abuso”.
Um dos policiais envolvidos classificou o pedido do MPSC como “injusto e devastador”.
O promotor colocou todo mundo num mesmo bolo, ignorou as imagens que mostram que agimos dentro do padrão. Somos pais de família, temos carreira limpa e estamos sendo tratados como criminosos por conter uma ocorrência simples, afirmou.
A Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC) instaurou um Inquérito Policial Militar (IPM) que, segundo os próprios agentes, individualizou as condutas e apontou que não houve dolo nem intenção de causar sofrimento. O caso segue sob análise da Vara de Direito Militar da Capital, que decidirá se a denúncia será recebida e se os policiais irão a julgamento.
Os quatro militares também relatam que vivem o momento mais difícil de suas carreiras.
A gente trabalha para proteger vidas, não para ser tratado como criminoso. Tenho filhos pequenos e hoje eles perguntam se o pai vai ser preso por ter trabalhado, desabafou.
Caso os quatro policiais militares sejam condenados em todos os crimes apontados pelo MPSC, as penas podem somar mais de 30 anos de prisão, além de indenizações que chegam a R$ 30 mil por policial. O cálculo considera os limites máximos previstos em lei para cada delito descrito na denúncia.
Na prática, entretanto, a punição efetiva deve ser menor, já que o juiz pode unificar as penas quando houver conexão entre os fatos ou reconhecer concurso formal. Mesmo assim, a pena final poderia facilmente ultrapassar 15 a 20 anos de prisão.
Além da pena corporal, o MPSC pede que cada um dos quatro policiais pague R$ 30 mil em indenizações às vítimas — sendo R$ 10 mil para Aline Borges da Silva, R$ 5 mil para Simone Silva Borges, R$ 10 mil para Lucas Pain e R$ 5 mil para Lucas Matheus da Silva Borges. Somando todos os denunciados, o valor global pedido ultrapassa R$ 120 mil.
Há ainda a possibilidade de multa penal adicional, prevista para crimes de abuso de autoridade e falsidade ideológica, que pode variar de 10 a 300 dias-multa, conforme o entendimento do juiz e a renda de cada réu.
O MPSC também requer a perda definitiva do cargo público e a expulsão dos quatro militares da PMSC, por considerar as condutas incompatíveis com a função. Caso o pedido seja acatado, além da prisão e das indenizações, os policiais perderiam automaticamente o direito à carreira militar e aos benefícios funcionais.